Eles se conheceram em meados de 98. Em um bar bem podrinho que freqüentava junto com uma amiga de colégio ele também freqüentava com o melhor amigo. No começo ela nem quis ficar com ele mas acabou sendo agarrada depois de a amiga ficar com o amigo. Teve início aí uma história que teria tudo para ser amarga mas foi uma das passagens mais marcantes de sua vida.
Depois de algum tempinho juntos onde ela bem inocente não tinha entendido muito bem certas ausências ele acabou contando que tinha uma namorada. Ela, que já estava bem envolvida passou uns dias chateada, mas depois de entender que estava envolvida e queria viver aquilo topou consigo mesma a aventura, consciente da luta inglória que seria, decidiu não pedir nada, mas viver o momento e que o amanhã se fizesse por si mesmo.
A paixão avassaladora durou dois anos. E terminou da maneira mais inocente e honesta que pode existir. Ele, que estava há um tempinho ausente ligando de novo e chamando pra sair e ela toda felicidade transbordando pelos poros falando que tinha uma novidade: estava apaixonada por um outro alguém. Um cantor de seu meio de trabalho. Ele desejou felicidades, ela agradeceu e desejou a mesma coisa. E era a mais pura verdade. Ela estava tão feliz que não queria que um só ser no mundo estivesse menos feliz que ela, inclusive ele.
Terminava o caso mas não terminava a proximidade entre os dois. Se ligavam de vez em quando, para saber como andava a vida. Ele casou, ela ficou sabendo; ele foi pai, ela ficou sabendo e foi homenageada: a menina recebeu seu nome; ela saiu do país a trabalho, ele foi o primeiro a saber; ela se casou e ele foi visitá-la na casa nova, tomou uma coca e acariciou seu cachorro de estimação enquanto desejava pra ela a maior felicidade do mundo. Ela se separou e ele foi um dos primeiros a saber, e a oferecer seus préstimos como advogado pra processar o filho da puta que a estava destruindo. Saíram uma vez na balada, com os amigos dele, beberam tanto que ela mal dirigia o carro e ele foi corajosamente no banco do passageiro, claro, com uma mão no trinco da porta e a outra no freio de mão com medo de morrer. Ele se filiou a um partido e será candidato a vereador, ela foi a segunda a saber. A uma certa distância um participava da vida do outro.
Enquanto ela esteve sozinha durante todos estes anos ficaram juntos algumas vezes. Ele todo saudoso, ela achava aquilo engraçado. Sabia que os caminhos deles estavam completamente separados mas tinha consciência de que a ligação deles era mais que uma ligação comum. Ela sabia coisas dele que ninguém sabia, e ele não sabia nada, mas se contentava em levar dela a sua melhor parte. Uma mulher dócil, engraçada, e o melhor: sem problemas e sem exigências.
Há mais ou menos um ano não se falavam quando em pleno sábado de tarde ele apareceu em sua casa. Ela achou muito estranho, primeiro pensou que fosse o ex marido dela que volta e meia aparece do nada pra infernizar. Mas era ele mesmo. Conversaram por telefone no mesmo dia e ele por alto mencionou a separação.
Se encontraram no outro dia. E enquanto ela se maquiava na frente do espelho lembrou de tudo que os dois viveram juntos: quando se conheceram, o auge da paixão, e claro, do sofrimento. Ninguém se envolve assim e sai sem nenhum arranhão. Os telefonemas, os encontros de quinta a noite e muitas coisas engraçadas: como uma vez que ela jurou que ia largar dele. Arrumou outro namoradinho e foi num bar. Quando chegou lá deu de cara com ele. Se enfiou no banheiro e saiu fingindo que estava passando mal e pedindo para ir embora. Ria sozinha das peripécias dos dois. Da briga que tiveram quando ele contou que estava noivo. A mania que ela tinha de fazer ele ir atrás dela onde quer que fosse em pleno sábado à noite. Ele ia aos seus shows, (até hj ela não entende como) e ela olhava pra ele na platéia satisfeita, com verdadeiro conhecimento de território. E em muitas dessas vezes ela pensou: esse homem não era dela, mas uma boa parte de boas recordações pertenciam a ela sim. A alma dele tinha sido marcada a ferros, como a dela também.
Ele chegou como sempre: pontual, sorridente, bem arrumado. Ela também como sempre: arrumada, saltos altíssimos. Sentaram no bar, ela com um copão de whisky e ele com uma garrafa d’água. Começaram a conversar e ela foi direto ao assunto: O que tinha acontecido?!? Ficou sabendo da história meio sem detalhes, ele falou do desgaste de oito anos de casamento. Pediu um tempo e foi para um flat. Falou do quanto se sentia perdido, que parecia que tinham tirado seu chão, seu teto e tudo o mais. Ela o ouviu calmamente e enquanto ele falava ela via algo nele que nunca tinha visto antes. Um olhar com uma sombra triste, ele estava bem abatido apesar de se esforçar para sorrir e estar arrumado ela notou que ele estava bem mais magro.
Não havia nada que ela pudesse fazer. Então o que fez foi ouvi-lo e aconselhá-lo. Ainda deram umas risadas juntos, lembraram dos velhos tempos. Da briga homérica do noivado, dos porres juntos e chegaram à conclusão de que se conhecem há quase 13 anos!!! Pra quebrar o gelo ela perguntou se ele tingia o cabelo pois nunca havia visto um homem com quase quarenta anos e os cabelos tão perfeitos! Ele negou, ela fingiu que acreditou.
No final, ainda sentados na mesa; ela tomando o último whisky e ele a centésima garrafa d’água. Ela disse rindo: “Caríssimo, tudo na vida é passageiro mas nós dois seremos eternos”. Ele a ouviu e com um sorriso meio triste respondeu que não tinha resposta para aquela relação, que achava que nunca ia conseguir entender.
Ele a deixou na porta de casa. Se abraçaram e ele prometeu mandar notícias. E ela enquanto acompanhava com os olhos o carro dele virando a esquina pensou em como desejava do fundo do coração que ele fosse feliz. Mas não deixou de pensar que mesmo 13 anos depois ele ainda a procurava para conversar. Se sentiu envaidecida. No fundo era tudo verdade: tudo nesta vida poderia mudar, mas eles dois seriam eternos.
E enquanto ela escreve este texto ouve seu vizinho de porta abrir uma cerveja. Dá um sorriso e brinda baixinho. Um brinde ao passado e a quem esteve nele, e ajudou a construir seu presente.
Ana Claudia